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Nós, Os Passageiros


O grande navio-escola de Portugal mostrava-se a entrar pelo Tejo, ostentando ainda, pelo simbolismo histórico, o orgulho português em amplas cruzes encarnadas, cravadas em velas altas de pano branco, impondo-se, esguio e sólido, ao cortar as águas, como a terceira geração do Sagres.
Chegados à Base Naval do Alfeite, no dia 4 de abril, onde o navio atracou laboriosamente, findando a viagem de 20 horas pela costa portuguesa, tínhamos, por essa altura, para além do almoço na Escola Naval, ainda duas visitas pela frente: ao Museu da Marinha e ao Planetário. No primeiro, pudemos reviver as experiências a bordo do Sagres, com espanto e interesse, nos modelos artesanais expostos de caravelas e corsários dos séculos XV e posteriores, nos mapas das rotas dos Descobrimentos e nas pinturas e quadros da vida marítima. No outro, pudemos descansar e desfrutar de uma segunda noite de estrelas no mesmo dia, enquanto decifrávamos constelações e reforçávamos o nosso conhecimento sobre os astros e a origem do Universo, com exceção para aqueles que, bons alunos, já sabiam mais do que o que ouviam e puderam, literalmente, só olhar o céu estrelado e refletir.
Para trás, na viagem, haviam ficado as nossas casas, das quais nos despedimos sabendo que iríamos voltar, e todas as pessoas que acorreram, já saudosas, à margem do rio, no porto e nos molhes, para nos acenar até ao último segundo. Caso alguém não soubesse o que ali se passava, pensaria, ao ver tanta gente, tanta agitação e tão belo barco, que partíamos para nunca mais regressar.
A muitos, o barco conseguiu elevar as expectativas. E não se ficou por aí, porque nos provou mesmo como é a vida de marinheiro… Se não a experienciámos por se ter passado tudo num só dia, vimo-la sim no rosto e hábitos da tripulação. Só por si, cento e quarenta homens e mulheres. Connosco, excecionais passageiros, o total rondava os duzentos. Apesar de serem tantos os da tripulação, havia ainda alguns de nós que faziam questão de tomar a sua parte no esforço de içar as velas, puxar os cabos ou enrolá-los, submetendo-se às ordens dos superiores que, bem vistas as coisas, em relação a nós, o eram todos.
Assistimos ao espetáculo, insólito e inesperado para alguns, e decerto comovente para qualquer um, de sermos recebidos no oceano, que outrora havíamos julgado nosso, por inúmeros golfinhos entrecruzando-se, serpenteando o navio e mostrando-se em saltos graciosos e em rasantes à superfície. Então, erguendo os olhos, a costa vislumbrava-se ao longe como uma faixa montanhosa no horizonte.
Já nos íamos habituando ao balançar exagerado do barco durante a tarde do dia três, enquanto observávamos a conduta da tripulação, as funções de cada posto e as relações entre camaradas iguais e, esta visivelmente mais autoritária, entre o mestre do navio, os chefes de cada secção e os seus inferiores hierárquicos. Um exercício de simulação veio despertar a curiosidade dos que estavam no convés e, para júbilo, ouviram ser dado o alerta de “ Homem ao mar!” e viram a preparação do barco salva-vidas sob rigorosa e cronometrada avaliação do mestre que, dada a temperatura da água, estimava a sua sobrevivência em seis horas. Superados alguns contratempos, ao fim de 15 minutos, foi salvo e trazido para bordo o náufrago “consciente e orientado”, que afinal era um boneco de tamanho real.
A nós, concederam-nos os dormitórios dos cadetes e o respetivo refeitório, onde o jantar e o pequeno-almoço foram servidos com generosidade pelos cozinheiros.
Depois da estadia noturna no exterior, até pouco depois das nove horas, e das habituais conversas animadas, que antecedem o sono, a noite nos dormitórios foi uma tormenta para a maioria. O embalar agudo do barco, o bater das portas metálicas dos cacifos, o incessante e lento ranger das camas e a insuficiência de comprimento das mesmas fizeram daquela uma longa noite de vigília entre ruídos e escuridão. Os 75 anos do navio notavam-se ali. Estranhamente, o som da trompete, às sete da alvorada para nos fazer erguer, não chegou a ser um alívio. Passados os humores matinais, a situação tornou-se, como se havia de esperar, motivo para risos ou, pelo menos, para sorrisos.
Todo o sono se dissipou quando, nessa manhã, subimos ao mastro em grupos, já no rio Tejo do nosso Portugal. Era lá que este navio fazia parar os outros, grandes e pequenos, em admiração, em contemplação da imponência e simplicidade do navio-escola de velas desfraldadas e redondas pelo vento. Lá no alto, no cimo do mastro, o maior de todo aquele rio, pudemos dizer:
- Terra à vista!
Estaríamos de regresso a casa daí a seis horas. Com saudade ou sem ela, trouxemos do mar uma experiência para contar e relembrar.
Daniel Marques e Edgar Silva, 12ºA

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