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Alunos premiados no Concurso Literário Cristina Torres - 2023


O Sinal felicita os alunos premiados no Concurso Literário Cristina Torres que este ano foi subordinado ao tema “Os outros da minha vida”:
Leonor Marias, aluna do 12.º A, alcançou o 1º Prémio, na modalidade de poesia;
João Guedes, aluno do 11.º C, obteve o 1º prémio na modalidade de prosa;
Miguel Maduro, aluno do 11ºA, recebeu uma menção honrosa na modalidade de poesia.
Aqui ficam textos.

1ºprémio
Os outros fazem de mim quem sou,
porque os absorvo como se deles me tratasse.
São alimento da alma, são conteúdo do ser.
Mastigados e digeridos, hábitos ou jeitos,
passam a ser tão meus como deles.

Eles,
que são tão outros como eu própria seria.
Sou-os agregados,
os outros, desfigurados, desfeitos,
os outros reconstruídos, rearranjados.
Cuidadosamente empilhados, arrumados,
polidos e prezados,
como se de uma coleção se tratasse.

E se me perguntarem quem sou,
responderei com o meu nome,
que não fui eu que escolhi.
Este nome, que antes de ser meu foi do meu pai,
e antes de ser do meu pai foi do meu avô,
(e ainda antes disso, do seu pai e do seu avô.)
E o que faço eu,
se nem o meu nome é só meu?

Sou tudo, e todos,
e os outros todos,
e tudo dos outros.

Cada outro é lembrança.
É presença.
Se é do pai ou da mãe,
do avô ou da avó.
Porque pinta, porque vê muitos filmes, porque adora as flores.
Porque chora muito, e dorme mal.
E o cabelo ondulado, vidrado com fios de mel quando está sol,
ou os sinais no rosto, escolhidos a dedo por Deus,
de quem são?
A quem os roubou?

Se eu não Sou,
porque não deveriam os outros ser tão ninguém como eu?
Se somos todos alguém para além de nós,
Só posso desejar ser alguém num outro qualquer.
E espero ser tão outro como os outros são,
que o meu ser se incorpore por entre os deles,
da mesma forma que integra o meu.
Porque ser outro
seria impossível sem um eu.

Menção honrosa
Os outros da minha vida talvez não sejam quem eu pensava
Talvez sejam outros
Diferentes de com quem me dava.
Quem serão?
Que farão?
Serão eles os fantasmas da alegria?
Os risos falsos que me rodeiam?
As vozes que falam mas eu não ouço?
Não!
Acredito que os outros da minha vida sejam outros,
Sejam aqueles que amam genuinamente
Que estão mesmo não conseguindo.
Acredito que sejam aqueles com quem passo as noites
Os dias
Os bons e os maus momentos
Os risos e os desesperos
Sejam aqueles em quem confio
E não aqueles que esperava que fossem o que não são
Esses sim desiludiram-me e muito
Fizeram me andar para trás e voltar a seguir em frente
Talvez seja esse um resumo da vida
Uma caminhada com dois sentidos
Qual será o certo? E o errado?
Só o tempo o dirá
Sem isto a vida seria um saco repleto de nadas
Enfadonha e repetitiva
Talvez por isso tenhamos que viver nesta emoção
De perceber se estamos bem ou não… 

1ºprémio
Não me lembro há quanto tempo caminhávamos. A areia do deserto entranhava-se nos nossos pés e o calor tornava as ilusões de um reino onírico praticamente indistinguíveis da realidade. Encontrávamo-nos num transe, cada passo perdia-se na intransigência daquelas areias, cada respiração desaparecia no ar sufocante que nos rodeava, cada pensamento fundia-se com as dunas e cada sonho afastava-se com os passos que não dávamos. No entanto continuámos e por mais uma imensidão de dias avançámos perante as areias angustiantes, no mesmo transe que teria abalado qualquer indivíduo.

Eventualmente alcançámos um oásis, banhámo-nos naquelas águas límpidas e dormimos sob aquelas árvores perdidas na imensidão do vazio; e eventualmente partimos.

-Porque não ficar aqui? - perguntaste.

Disse-te que este oásis era uma fração do que havia para ver, que os nossos sonhos se afastavam em cada instante ali passado, e então seguimos, desbravando o mundo, desbravando sonhos. E atravessámos serras e vales, vimos rios e pântanos e prosseguimos nessa jornada em busca do desconhecido. E enquanto andávamos por invernos e primaveras, por outonos e verões, as mesmas perguntas nunca cessavam de me atormentar. Mas, por momentos, conseguia esquecê-las e aceitar melhor o absurdo; porque estava contigo. E contigo avancei por caminhos sinuosos de rocha e por paraísos verdes e contigo vi nasceres e pores do sol mais vezes que o infinito pode guardar, e contigo vi auroras e constelações e arco-íris e vi a nossa alma espelhada no céu, e nunca cessámos de procurar.

E quando chegámos ao topo da mais alta montanha, vidrada pelo céu que espelhava o infinito, purificada pela água que escorria da cascata, onde o sussurrar de Gaia se ouvia nos pássaros e os nossos sonhos pareciam estar um pouco mais perto, tu sugeriste que ficássemos. Olhei para o céu e pedi para andarmos um pouco mais, ou talvez tenhas sido tu, ou ambos, não me recordo. Estávamos tão longe. Descemos a montanha e fomos dar a uma vila, e nessa vila banhada pelo Sol, a tal vila movediça, em que o tempo parecia congelar, a tal vila, perdida num badalar constante e impermutável, pensámos ficar. Mas prosseguimos, prosseguimos porque ainda havia tanto para ver, prosseguimos porque as perguntas que nos atormentavam se dissolviam nos nossos passos, na excitação, prosseguimos porque estavas comigo e eu, eu estava contigo. E contigo atravessei herméticas selvas e confortantes florestas, e contigo trilhei tão tenebrosos trilhos, e contigo trespassei o oceano, onde deixei um pouco de mim; e contigo vi a vida, vi a morte, e o que quer que se transpusesse entre ambas. E contigo contei histórias, histórias que se realizavam à medida que os nossos sonhos se aproximavam; e contigo colhi ervas e flores e com elas colhi um pedaço de ti, dando-te também um pedaço de mim.

Não sei o que foi que te fez parar. Talvez tivesses atingido os teus sonhos antes de mim, talvez tivesses encontrado a resposta para as perguntas, ou talvez a tenhas deixado de procurar; talvez estivesses simplesmente cansado da caminhada... Não sei o que foi, mas subitamente os teus passos, quase etéreos, pesaram, pesaram os anos, pesaram todo o caminho, pesaram as paisagens, as histórias as flores e as perguntas e os sonhos que podes ou não ter silenciosamente desvendado. Não sei o que foi, mas subitamente caíste para sempre repousar. E ali ficaste, junto ao mar, deitado inerte sobre a areia quente, enquanto a água te acariciava calmamente os pés, antes tão leves, como que te congratulando pela jornada agora terminada, pelo culminar das paisagens, das histórias, das flores, das perguntas, dos sonhos... E naquela tarde, sobre a areia quente, chorei a tua relutância em continuar, chorei a tua ascensão a um patamar, para o qual eu não fora chamado, e, até ao cair da noite, repousei junto ao teu corpo inerte, descansando uma última vez contigo.

Mesmo assim não parei, uma certeza penetrava-me até ao âmago, como uma lei universal que subtilmente me empurrava para a frente, como se o mundo quisesse que eu o desvendasse, que voltasse a atravessar povoações e voltasse a ver serras e vales e montanhas e rios, porque, talvez, no mais distante riacho, onde o céu toca a terra e os raios de luz penetram a transparência da água, difratando-se em mil cores de mil arco iris, em mil sonhos de mil humanidades; talvez lá encontrasse o que tanto procurei, talvez lá as respostas emergissem da claridade das águas e talvez, só talvez, tal trepidante jornada se visse concluída nessa paz bucólica, quase onírica. E então fitei por uma última vez a tua face imperturbável, enegrecida pela noite. Tinhas contigo uma bracelete que retirei suavemente do teu braço, inerte sobre as quietude das areias, coloquei-a no meu pulso. Olhei para o céu noturno; o espetáculo astral que tantas vezes apreciara, num despertar de emoção latente, cessara. Os planetas, as constelações, a Lua, a estrela polar escondiam-se na penumbra. O mar varria levemente a areia numa dança ociosa, paralisando-se por instantes antes de recuar para preparar uma nova investida. E, então, avancei, sozinho nessa noite apática, sozinho no trágico silêncio da morte de uma estrela, sozinho na aterradora escuridão do universo, e, então, avancei, vagueando sem direção, só, finalmente só...

Deambulava há dias sem sentido, assombrado pelo mesmo silêncio de quando partira, assombrado pelas mesmas inevitáveis perguntas cuja caminhada já não cessava, vendo-me inibido dos meus sonhos que se afastavam na letargia. Mas caminhava, caminhava sem rumo, cada passo era uma tentativa vã de não inviabilizar o passo prévio, e diluía o meu ser em tais ominosos trilhos que se afunilavam em vis florestas, onde as árvores exibiam um semblante aterrador. E mais dias passaram, dias esses passados numa lentidão tantalizante; dias esses que mais rapidamente que o tempo se transformaram em meses, e depois em anos... Mas continuei a andar e, eventualmente, tais tenebrosas florestas abriram-se em clareiras onde a luz finalmente penetrava, iluminando o meu caminho. Clareiras essas onde a vida florescia num espetáculo harmonioso, em comunhão consigo mesma. Tal espetáculo reestabeleceu o meu alento, dando significado a cada passo dessa tão grandiosa jornada. E movido por um ímpeto transcendente, prossegui a caminhada, com a bracelete que de ti herdara, fortemente presa ao meu braço, e um novo desejo de sonhos e descoberta reaceso.

Uma das clareiras que visitei nessa reaberta odisseia constava de uma simplicidade engrandecedora. Um simples tronco repousava entre as árvores e no centro do mesmo um pequeno gafanhoto deixava-se aquecer. O inseto, ainda em estágio de ninfa, tornar-se-ia brevemente num inseto adulto, momento após o qual partiria em busca de um parceiro, reproduzindo-se e dando origem a uma nova geração de ninfas no ano seguinte, ano esse em que o mesmo já se teria convertido em defunto. Tal geração iria manter esse ciclo, preservado em milhões de anos de alterações intocáveis. Todo esse processo tinha tanto de fascinante como de sombrio, o definhar da vida com o solo propósito de criar nova vida, cujo destino se encontrava pré determinado; a completa ignorância do inseto que por alguma mesquinha razão fora submetido a esse vicioso ciclo; a inquietante beleza que talvez nunca viesse a ser apreciada... Subitamente, a clareira diminuiu-se a um novo nível de quase irónica simplicidade. Subitamente, essas intermitentes questões assombravam-me mais do que nunca. Subitamente as minhas questões fundiram-se com a falta das mesmas por parte do inseto e subitamente a vida dessa e de todas as outras clareiras pareceu menos viva, menos bela. Guiada por um universo jocoso, cuja acidez do seu humor me impedia de parar de caminhar, nessa busca por uma resposta para tais intermitentes questões. Sentei-me a apreciar o animal. O bicho notou a minha presença e não se prestando a avaliações, nem a juízos de facto sobre a possível perigosidade dessa figura, arregaçou as asas e, num movimento impercetível, abandonou o tronco, camuflando-se na vegetação. Deixado ao abandono, decidi avançar, talvez as respostas que procurava também estivessem camufladas na vegetação, juntamente com os sonhos que alimentavam o meu ímpeto libérrimo por descoberta.

Assim, continuei desbravando o que esses trilhos me guardavam, caminhando incansavelmente por impercetíveis noites e dias. Sozinho avancei mais do que nunca, vislumbrei mais longe e trespassei pelo inimaginável, voltando a avançar por paisagens que tocavam o inefável, voltando a ultrapassar provações bíblicas que engrandeciam essa solitária jornada. Cada passo eloquente estremecia essas terras cálidas, afastando a nuvem das perguntas que me obnubilavam a visão. Cada passo que dava trazia consigo uma nova clarividência parcial, que, por momentos, me aproximava de algo maior. E, regressando à superfície, imprimia em cada passo um pedaço de mim, um pedaço de ti, um pedaço do universo que me deixara ao abandono para o descobrir. E, numa velocidade crescente, futuros transformavam-se em pretéritos, enquanto eu me aproximava dos um sonho cuja génese eu deixara no começo dessa jornada.

Eventualmente alcancei uma serra, traçada por um trilho de terra, ao largo do qual se estendia um riacho onde escorria a mais pura água, que num elegante jogo de ótica parecia refletir o céu, onde o Sol, que avançava para oeste, conferia um brilho astral ao local. Avancei ao longo do trilho, acabando por me deparar com a mais íngreme montanha que vira até então. Subi custosamente, acompanhado pelo riacho que se alargava um pouco com cada passada que eu dava. A minha mente perdera qualquer sentido de direção e cada passo fugaz fundia-se num divagar profundo que me guiava em direção ao infinito. A partir de um certo ponto, senti-me a flutuar e a montanha pareceu incorporar as florestas e pântanos e pradarias e vilas que se perderam na minha jornada, os verões e primaveras e dias e noites, as flores e arco-íris e choros e risos onde ficara um pedaço de mim. Subitamente, a montanha apresentava uma face, a tua face, os teus desejos, os teus sonhos. E, enquanto me aproximava do limite, sentia-me desintegrar em mil fragmentos que partilhara contigo.

Quando cheguei ao topo, o tempo perdera qualquer substância e a distinção entre segundos e décadas parecia trivial. No cume, escorria a cascata que criara tão singelo riacho. Os raios de Sol incidiam levemente na água, difratando-se em mil cores de mil arco-íris, em mil sonhos de mil humanidades. Caminhei lentamente em direção à cascata, sentando-me sob a água cristalina. À medida que a água escorria no meu corpo, eu juntava-me com tudo, a minha essência macróbia via-se purificada. Gradualmente, desprendia-me de mim mesmo. Todos os sonhos que procurara erguiam-se agora diante de mim. A resposta para as perguntas que me assombravam ficou algures naquelas águas. A beleza tomava conta de tudo. A minha alma perdera-se no absurdo, junto com a tua e com o mundo e com o universo. A beleza era absurdo! O silêncio da morte de uma estrela perdera o seu terror. Sem medo avançava, diluía-me num plano difuso a tudo. Deixei cair a bracelete que se dissolveu nessa água. Finalmente estava só com o universo. Finalmente estava contigo.




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